Porque gosto do Brasil?


Uma das primeiras coisas que descobri na minha primeira viagem ao Brasil, em 1996, foi como dar um telefonema.
Primeiro, você assumia uma posição confortável. Aí, rezando e respirando fundo, você tirava o fone do gancho e o colocava no ouvido. Você não ouvia nada, então você desligava. Alguns segundos depois, você pacientemente tentava de novo, esperando por uma linha que nunca chegava. O que mais você podia fazer senão repetir o procedimento mais uma vez, mais duas vezes, o desespero crescendo até que finalmente — às vezes horas depois — a linha dignava-se a aparecer?
moser0211jpg
Hoje em dia, a distância entre o país em que a situação acima ocorreu e o país de agora é tão grande que a história poderia ter ocorrido uma vida inteira atrás.
Quando eu por acidente acabei estudando português na universidade, quase tudo que eu sabia sobre o Brasil era que ele ocupa metade da América do Sul. Mas eu me apaixonei pela língua e minha descoberta paralela da música brasileira tornou o aprendizado do português mais fácil do que eu esperava.

Dois anos depois, eu deixei o meu pais para estudar no Rio de Janeiro. Fascinado pela vastidão do país, comprei um Passe Aéreo que me permitiu visitar seis cidades, de Belém a Porto Alegre. A todos os lugares que fui, descobri tudo que esperava encontrar. Não faltaram praias douradas, charme colonial, florestas apavorantes, jogadores de futebol, ritmos tropicais e prostitutas simpáticas. Tomei batidas de cachaça; ganhei um bronzeado.
As coisas que eu não esperava encontrar foram as que mais me impressionaram, e isso não é porque eu fiquei desapontado com as atrações mais turísticas do Brasil. A cidade do Rio de Janeiro, com as suas montanhas que mergulham no mar, era tão espetacular quanto falavam, e as cataratas do Iguaçu faziam justiça à exclamação de Eleanor Roosevelt [esposa do ex-presidente americano Franklin Roosevelt]: "Coitado do Niágara!" O Amazonas era enorme; e eu poderia passar o resto da minha vida balançando-me numa rede, em velhas cidades praianas como Olinda ou Parati.
Tudo isso eu mais ou menos esperava. O que eu não esperava era encontrar em Recife uma fábrica gigante que o dono, o escultor Francisco Brennand, passou meio século transformando numa obra de arte completa, cheia de genitálias abstratas de cerâmica. Eu não esperava nada como "A Paixão Segundo G.H.", um romance escrito por uma linda colunista do Rio chamada Clarice Lispector, e que conta a história de uma mulher rica que, no auge de uma crise espiritual, come uma barata.
O que acabou levando-me de volta ao Brasil, pelo menos 20 vezes, foram as coisas que não eram tão óbvias — inclusive a misteriosa Lispector. Foi fácil se apaixonar pelo lindo Rio de Janeiro, mas o labiríntico São Paulo, muito menos agradável à vista, era um prazer a ser descoberto; e, nas várias vezes em que fiquei preso num engarrafamento, junto a boa parte de seus 20 milhões de habitantes, eu me perguntei se algum dia eu iria descobri-lo. Mas, com paciência e a ajuda de amigos, essa cidade de exterior tão pouco promissor revelou ter um conteúdo surpreendente.
Um amigo levou-me à monstruosa estrutura de concreto da CEAGESP: dentro havia barracas vendendo praticamente tudo que crescia nas florestas e campos do país, desde orquídeas e plantas carnívoras até frutas das quais eu nunca havia ouvido falar, e que tinham nomes como grumixama e jabuticaba. No dia seguinte, uma porta numa monótona parede de concreto de uma monótona rua residencial abriu-se, deixando à mostra a magnífica casa modernista de Lina Bo Bardi. Eu nunca havia ouvido falar dela também.
Uma vez, em Pernambuco, aceitei o conselho de um amigo para visitar a cidade de Igarassu: meio hesitante, pois já passara de carro por Igarassu e achara a cidade — para ser educado — bem pouco atraente. Mas, como eu seguia naquela direção, achei que valia a pena tentar. Procurei pela curadora do museu, uma mulher de bustiê e havaianas. Ela pescou do short uma chave de ferro com aspecto medieval e abriu a porta, revelando sala e mais sala de pinturas majestosas.
Foi assim no país inteiro. Toda vez que achava que já tinha visto algo, outra porta se abria e me fazia perceber tudo que eu havia perdido. Mas acertei numa coisa: a inteligência e a criatividade das pessoas eram as coisas mais óbvias no Brasil, e se o fardo da política e da burocracia pudesse ser aliviado — se alguém conseguisse colocar os telefones para funcionar — não haveria limites que o país não poderia alcançar.
Hoje, quando você desce do avião no Brasil, você encontra um poderoso antídoto contra o pessimismo. Não é só por causa das palmeiras ou do aroma de etanol no ar que o Brasil parece diferente. Não é que o país ainda não tenha seus problemas. É porque se o Brasil, com todos os seus enormes desafios, conseguiu chegar tão longe e tão rápido, então o resto do mundo também pode ter esperança.